Dados do monitoramento realizado pelo Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) apontam que, em 2024, o número de mortes decorrentes de intervenção policial alcançou o patamar mais elevado da última década. Foram 835 mortes, representando um aumento de 65% em relação ao ano anterior, que registrou 542. O menor índice na série histórica, iniciada em 2017, ocorreu em 2022, com 477 mortes.
A Polícia Militar (PM), maior corporação de segurança pública do estado, concentra a maior parte desses registros. Em 2024, foram contabilizadas 760 mortes envolvendo policiais militares, um aumento de 60,5% em relação às 460 ocorridas no ano anterior. As mortes causadas por policiais fora de serviço permaneceram estáveis, superando ligeiramente uma centena desde 2020.
A relação entre o aumento da letalidade policial e a gestão do governador Tarcísio de Freitas, que assumiu o cargo em 2023, tem sido objeto de debate. Durante a campanha, o governador enfatizou o papel do policial militar em situações de conflito como eixo central das políticas de segurança pública. Desde então, a Secretaria de Segurança Pública é liderada pelo capitão Guilherme Derrite, defensor do policiamento ostensivo e do uso de armamento pesado em operações. Sob sua gestão, houve aumento no emprego de batalhões especializados, como Rota e Baep, e a realização de operações como Escudo e Verão.
Especialistas em segurança e direitos humanos avaliam as conseqüências dessas políticas. Rafael Rocha, do Instituto Sou da Paz, aponta que o “discurso do conflito” adotado pela gestão tem contribuído para um aumento da letalidade e para a deterioração das relações entre a população e as forças de segurança. “Essa lógica do confronto coloca o policial em uma situação de guerra, o que é ruim para todos os envolvidos”, afirma Rocha.
Carolina Diniz, da ONG Conectas, atribui o aumento ao comportamento dos comandos político e corporativo. Segundo ela, diretrizes que priorizam a letalidade influenciam a atuação dos policiais em serviço. “Quando o governador questiona a eficácia de câmeras corporais e nomeia um secretário com histórico de exaltação à letalidade, isso serve como orientação para a corporação”, disse.
A Conectas também criticou a falta de padrões internacionais nas investigações sobre mortes, como os protocolos de Minnesota e Istambul, e o enfraquecimento de mecanismos de controle, como a ouvidoria das polícias e comissões de mitigação.
O governo do estado, em nota, afirmou que “respeita os direitos humanos e investiga rigorosamente todos os casos de mortes decorrentes de intervenção policial, com a punição de agentes envolvidos em desvios de conduta”. Desde 2023, mais de 300 policiais foram demitidos e 450, presos. A nota também destacou investimentos em formação continuada e equipamentos de menor potencial ofensivo.
A discussão sobre a letalidade policial no Brasil é um reflexo de um discurso que, segundo Rocha, “valoriza a violência como solução”. Para ele, iniciativas do Ministério da Justiça e diretrizes que associem controle de letalidade ao ree de recursos podem impulsionar melhorias. “É preciso profissionalizar as polícias e implementar mecanismos de controle para reduzir não apenas as mortes, mas também os índices de criminalidade”, conclui.
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